Acampamento na Pedra da Tormenta

Há 8 dias, postei um breve texto sobre um passeio que fiz com um amigo e sobre o espírito dos acampamentos. O passeio que fizemos teve como objetivo averiguar e preparar um local para um acampamento que ocorreria no dia 10 e iria até o dia 11 de fevereiro. Meu objetivo agora é contar como foi a experiência e compartilhar algumas imagens da expedição.

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Preparando o almoço de domingo

Os membros da expedição se reuniram pelas 10 da manhã na chácara da tia de um dos organizadores, deixando lá os carros e partindo a pé para a pedreira onde seria realizado o acampamento. O grupo era composto de quatro pessoas, apesar de mais tarde outros dois amigos terem ido até o acampamento nos visitar brevemente. Subimos aquele morro contemplando a paisagem cercada por plantações de eucalipto, de pinus e a mata nativa com algumas araucárias espalhadas. A estrada sombreada era povoada de belas borboletas que, em seu brilho ciano, passeavam serenamente à nossa frente, imperturbadas pelo calor de fevereiro. Sem pressa, conversando e dando risada, chegamos até o topo, já cansados e suados. Lá, encontramo-nos com a majestosa pedreira abandonada.

Subimos pela trilha que abrimos semana passada após passar por um pequeno riacho no qual havíamos feito um caminho de pedra e alcançamos o local de acampamento. Decidimos acampar numa área coberta por pinheiros – pinus, árvore que se espalha como praga em nossa região –, pois assim tínhamos uma área já bastante limpa e não tão perto do desfiladeiro que poderia trazer perigo. Logo nos dispomos às ocupações mateiras. Enquanto uns cortavam lenha, um dos nossos construía um pequeno abrigo para o caso de chegar uma chuva inesperada. Como ajuntamos uma considerável quantidade de lenha para manter a fogueira mais tarde e o abrigo também foi construído, decidimos montar um pequeno abrigo para a fogueira no caso de chuva, tarefa que concluímos rapidamente.

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Abrigo em construção

Quando sentávamos para conversar e descansar já no início da tarde, sentimos uma brisa mais gelada que o mormaço de verão, também foi notado que a luz diminuía e o céu tomava um tom cinzento. Era a chuva que se avizinhava. O céu lançou pequenos pingos, mas depois lançou pingos mais grossos e em maior quantidade e, logo em seguida, transformou a leve chuva em uma chuva pesada e constante. Colocamo-nos sob o abrigo construído, mas este não aguentou por muito aquela força do céu. Por sorte, pouco antes havíamos montado algumas barracas perto da borda da pedreira e pudemos nos abrigar por lá. Quarenta minutos depois, já havia parado de chover e voltamos à clareira para reparar os estragos.

No mato surge essa camaradagem, esse compromisso com o bem comum daqueles que formam momentaneamente uma tribo. Porém, essa disposição só surge quando as pessoas em questão sentem prazer no retiro em meio à floresta. Caso não se tenha esse gosto, é bem provável que só se prefira ficar a esmo enquanto espera que os outros preparem tudo. A jornada até a natureza é sempre mais aproveitada quando composta daqueles que sentem prazer e dão valor a essa atividade tão menosprezada em nosso tempo.

Avaliávamos os danos causados pela chuva enquanto despontava um sol tímido que não falhava em esquentar. Durante essas ocupações, três dos nossos puderam testemunhar no céu a passagem de um pássaro por todos nós desconhecido: tinha coloração marrom e supomos que sua envergadura devia beirar os 2 metros. Todos concordaram que aquele era o maior pássaro que já haviam visto. Durante todo o resto do acampamento, a cada tanto de tempo, os olhos dos membros se voltavam àquela parte do céu na esperança de rever o gigante alado. No entanto, até o fim do acampamento nós vimos outras aves grandes cortando o céu, mas ninguém viu mais aquela criatura tão grande e majestosa.

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Uma das barracas sobre a pedreira

Quando encerramos os preparativos da tarde, decidimos dar um pequeno passeio em busca de uma lagoa que deveria existir na floresta. De fato, após pouca caminhada em torno da pedreira, encontramos a lagoa, mas esta era muito pequena. Decidimos seguir a caminhada em ânimo de exploração. Quando sobre a beira de um dos paredões da pedreira, avistei uma clareira que achei bonita e desviei da trilha para observá-la de perto. Chegando lá, percebi uma estrada logo ali, cercada de xaxins com mais de 2 metros de altura. Havia também pegadas de cavalo naquela estrada sombreada pela mata atlântica. Decidimos segui-la. Caminhamos muito. Chegamos a locais bastante ermos onde crescia mata nativa que começava, infelizmente, a ser desmatada. Indo além, passamos por taquarais, pedaços de mato fechado e vários ambientes muito belos. Chegamos a encontrar alguns ovos de cobra já partidos, fazendo-nos imaginar que por ali deviam correr umas seis cobrinhas pelo chão. Após muito cansaço, suor e golpes de facão de quem abria caminho, por sorte nos vimos de novo na pedreira, sendo que havíamos seguido a trilha sem direção conhecida; explorávamos mesmo a partir do espírito aventureiro.

Descendo pelo outro lado da pedreira e subindo novamente ao lugar de acampamento pela trilha, demos novo fôlego à fogueira e nos juntamos à sua companhia enquanto lentamente escurecia. Todos fumavam e tomavam vinho ou alguma mistura de bebidas. Era um momento de descontração. Como tudo estava já arrumado, seguimos naquele ritmo até a noite. Ficamos aproveitando a noite para conversar sobre os mais distintos tópicos possíveis, desde "causos de assombração" até opiniões políticas para o ano corrente. Enquanto isso, fazíamos carne e os goles de vinho um a um molhavam as gargantas. Entre a fumaça do tabaco, às vezes se propagava algum silêncio em que se ouvia novamente a solidão e a imensidão da natureza.

Alguns foram dormir e fiquei lá acompanhando a fogueira com mais um camarada. Lá nos demoramos até tarde da madrugada, quando o sono já me vencia aliado a uma inconveniente dor de cabeça. Mas é nessas horas da madrugada que a conversa à fogueira penetra mais fundo na alma da gente e das coisas. Falávamos de experiências alternativas comunitárias como os faxinais do Paraná e as comunidades anarquistas montadas no Brasil. Passávamos a trama da conversação pela mitologia nórdica, os costumes daquele povo e íamos retornando no tempo até a era do neandertal que, sozinho, desvendava o mundo duro de uma Europa dominada por animais de grande porte. Falávamos do gnosticismo e dos pensamentos da Igreja sobre esse ou aquele tema. Fomos visitando vários temas ao som de Agalloch, Urfaust, Cold Body Radiation e outros. Sem se afundar na mesquinhez dos debates que vemos habitualmente no cotidiano e na internet, a conversa era leve e agradável, com respeito a qualquer ponto de vista, sem pretensões erísticas de qualquer parte. Não restavam dúvidas de que conversar com as pessoas à luz do fogo na noite em alguma floresta distante é uma ótima maneira de conhecê-las.

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Vista do alto da pedreira

Ao acordarmos no outro dia, a manhã foi de preparação, conversas e limpeza do lugar. Buscamos não deixar lixo. Porém, os abrigos nós deixamos lá erguidos na clareira como testemunhas de que por ali um pequeno grupo de pessoas passou alguns momentos junto à mata. Quem sabe os abrigos não sirvam de refúgio para algum explorador desconhecido?

Antes de partirmos, almoçamos a carne que assávamos na fogueira, comendo-a com pão, sem muitas regalias, mas saboreando cada mordida. Logo, levantamos dali e fomos embora. Ajuntamos nossas tralhas, descemos pela trilha, passamos o riachinho e nos despedimos da pedreira enquanto descíamos a estrada das borboletas discutindo de que espécie podia ser um grupo de pegadas que vimos e qual seria aquela enorme ave que prendera nossa atenção enquanto voava sobre a floresta em busca de alguma presa.

Mais postagens sobre natureza, trilhas e acampamentos:
Sobre um passeio e o espírito dos acampamentos (Portuguese)

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