Parte 3 - A Filosofia do Existencialismo: III - O Medo de Pensar

A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo.
Parte 3 - A Filosofia do Existencialismo:
III - O Medo de Pensar

"Eu penso, portanto, sou anormal" - charlie777pt

1. Introdução


Mais uma vez, vou interromper a linha de raciocínio planeado para esta parte da série sobre o Existencialismo, por me ter recordado de algumas ideias pessoais que me surgiram durante as minhas leituras intensivas dos autores á volta desta filosofia da libertação incondicional de cada indivíduo.

Este assunto é totalmente pertinente, porque hoje em dia as pessoas têm muito mais medo de pensar e agir, vivendo em estresse e ansiedade permanentes, que são um empecilho à empatia e simpatia em relação aos outros, e as pessoas estão "falar" umas com as outras, intermediadas por dispositivos, como usar o telefone para escapar da sensação de um verdadeiro encontro face-a-face.
Somos objetos invisíveis para nós próprios, evitando todos os espelhos, que podem refletir o nosso Ser.

"Deve haver melhor em mim do que eu" - Fernando Pessoa em Poesias de Álvaro Campos

Um dos principais temores hoje, é a fuga agonizante ao nosso próprio lado sombrio, usando todo tipo de ecrãs (telas), comida e abuso de substâncias, para manter uma cortina permanente sobre o fluxo real dos nossos pensamentos, e as pessoas tem cada vez mais medo de encarar o espelho dos seus pensamentos e dos seus próprios Eus.
Na minha pós-adolescência, mergulhei no mar do Existencialismo, adaptei-me a respirar sob a água da correnteza dos meus pensamentos, e perdi o medo de me afogar na ambivalência dos meus modos de pensar e nos fantasmas invisíveis herdados da cultura e da sociedade, que bloqueiam o nosso caminho para a autolibertação.
Isto significa que a liberdade começa quando perdemos no nosso terror interior, para procurar o nosso próprio modo de pensar e despir o colete-de-forças imposto socialmente aos nossos pensamentos.

Ao ler os autores que exerceram uma grande influência sobre o Existencialismo, e sobre mim, cheguei à conclusão que as pessoas temem o pensamento livre como receiam a liberdade, e vou escrever pela primeira vez sobre esses velhos pensamentos de há muitas décadas, porque eu sinto que ainda é uma grande abordagem filosófica, para repensar a maneira como nos disseram como pensar.

2- O Medo de Pensar como uma Trangressão

"Estar em minoria, mesmo numa minoria de um, não o faz louco. Existia verdade e mentira, e se você se agarra à verdade mesmo contra o mundo inteiro, não está louco." - Georges Orwell

A civilização funciona como uma tendência para reduzir a nossa consciência e os modos de pensar, bem como diminuir a nossa solidariedade perante todos os seres humanos, atacando os laços sociais e criando um muro de equívocos sobre os padrões impressos e inconscientemente dominantes no nosso modo de pensar, agir e experimentar, como um desajuste de nós mesmos e com os outros.

"As sociedades são mantidas juntas por uma rede de laços sociais e sua solidariedade dá aos indivíduos a sensação de fazer parte de um coletivo e se engajar num projeto maior que o Eu.
A quebra desses laços mergulha os indivíduos em profunda angústia psicológica que leva, em última análise, a atos de auto-aniquilação"
- Chris Hedges

O Big Brother está a observar-nos, ou está dentro da nossa cabeça aprisionando a espontaneidade do nosso Eu, com medos instilados, para evitar de sentir o nosso Ser interior e tentar descobrir o que é real na atual realidade falsa?
O nosso medo de pensar e de nos conhecermos, cria um vácuo existencial como uma máscara, que não permite sentir os outros e a nós próprios, por consequência.

"Não é possível para qualquer pessoa pensante viver numa sociedade como a nossa sem querer mudá-la." - Georges Orwell

Sempre que nos atrevemos a pensar fora da caixa das crenças comuns e das normas sociais, é como nos expormos a uma sensação de abismo, que pode ser sentida como um crime, um pecado, uma má ação ou uma ilegalidade, como uma subconsciência latente que é sentida como uma transgressão, do mesmo modo que o incesto na teoria de Freud.

"É livre para ser um bêbado, um ocioso, um covarde, um caluniador, um fornicador; mas não é livre para pensar por si mesmo." - Georges Orwell

Se uma pessoa se atreve a pensar, está a quebrar a fragilidade das suas crenças sobre a realidade, e a sentir a consciência de si mesmo, está a arriscar a tornar-se um pária, por abrir brechas nas muralhas do poder e na maneira de pensar autorizada, porque quando se decide ignorar as rodas da máquina, começa-se a viver numa zona de perigo, mas com um máximo de auto-segurança crepuscular.

O pensamento livre, como a liberdade de expressão e o jornalismo livre, tornou-se uma interdição, um território onde os seus seguidores são eliminados, o que sempre foi a causa da estagnação social e da evolução humana em nome da ordem social das classes dominantes, em que vivemos hoje.

"Para se ver o que está na frente do nariz precisa de uma luta constante." - Georges Orwell

A Fronemofobia é um conceito construído a partir da palavra grega phron (pensamento) ligado a fobia, ou seja, o medo de pensar, enquanto Mnemofobia é o susto irracional permanente de memórias traumáticas, ou a sua perda, e Eleuterofobia é uma forma extrema do receio da liberdade.

Somos todos seres neuróticos, com alguns Traços de comportamentos fóbicos, como resultado de traumas educacionais e sociais (eu menciono esta fobias como uma espécie de exagero de extremos para nos ajudar a esclarecer a ideia), e então vou indicar alguns dos medos profundos quase invisíveis que limitam a nossa Existência.

Esta situação merece um olhar interior atento, para o descondicionamento da nossa herança cultural arquetípica e a impressão social resultante da interação entre instinto e aprendizagem, que criam ser um ser humano aleijado, mas "normal".

A mais recente história do pensamento tem vido a criar ruturas epistemológicas para romper com a Fronemofobia imposta pela visão religiosa, que tem dominado a nossa civilização ocidental judaico-cristã desde a Idade Média, embebida na sua forma atual de padrões impostos pela sociedade burguesa.

Aprender a pensar é Tabu, é como começar uma guerra contra o Totemismo da ordem social, que trará de volta a rejeição social, e a nossa própria ambivalência de pensamento terá efeitos sobre as percepções da realidade dos outros (com ansiedade), e a sociedade moderna vai disparar de volta , as projeções de negação das pessoas em relação a nós, possivelmente com ódio, para evitar o medo da verdade trazida peloa "pessoa esquisita" que tem a coragem de se questionar a si e á realidade.

"A honestidade intelectual é um crime em qualquer país totalitário" - Georges Orwell

Os nossos medos do mundo exterior são apenas um reflexo da nossa incerteza interior, e não devemos ter medo disso, se colocarmos a tolerância humana e a empatia, como forma de ampliar a compreensão de nós mesmos e das relações com o(s) Outro(s).
Tolerância é sobre o Amor e a Intolerância é a Guerra.
Podemos ver o verdadeiro estado de realidade demente, como a medida da nossa profunda incompreensão e inconsciência, e da nossa capacidade de pensar, como uma dor nauseante e um pânico de sermos afogados numa onda de ansiedade.
Como já citei num antigo post de Steemit, devemos entender qual é o significado de ser "normal".

"O que chamamos de "normal" é um produto da repressão, da negação, da divisão, da projeção, da introjeção e de outras formas de ação destrutiva sobre a experiência". Laing, Ronald D. em "A Política da Experiência política e a ave-do-paraíso"

O nosso profundo sofrimento e ansiedade é a incapacidade de aceitar a ignorância dos nossos eus profundos, e que ainda não sabemos como pensar, num mundo à deriva em que a verdade foi desligada.
A nossa civilização foi construída com base na interdição para pensar, como uma transgressão que ameaça os pilares da estabilidade social e da ordem.
Se decidir aprender a pensar, você é uma ameaça social e uma violação da moralidade, e o sistema reage por ação punitiva ou pode mudar a si mesmo para se ajustar a ela.

O melhor modo revolucionário de vida, já tinha sido nomeado por Sócrates na citação "conheça-se a si mesmo" que o "homem civilizado" evita como uma peste, porque ele foi ensinado a "não pensar", a "não ver", e a "não sentir".
O medo é implementado em nós, eliminando a nossa reflexão crítica, que é a nossa principal defesa para enfrentar a realidade, sentida como uma ameaça à nossa segurança pessoal e ao mesmo tempo funciona como uma barreira para ver o mundo, sentir os outros e compreender a nós mesmos.
A auto-compreensão, que consequentemente cria uma melhor compreensão dos outros, é a melhor auto-cura para a nossa vida espiritual e para reparar a nossa Existência, mas isto exige uma grande coragem pessoal e um grande esforço.

"Quando olho para mim, não me percebo." - Fernando Pessoa

As artes devem empurrar as fronteiras do pensamento crítico, mas hoje ela é quase só centrada no dinheiro, como especulação financeira, apenas para alimentar a necessidade eterna do consumismo capitalista, o grande vilão que temos de estar cientes.
A Arte e comunicação foram estranguladas, principalmente para impedir novas idéias e gerar diálogos, que são a medida real da verdade, mas alguns nichos vanguardistas estão a tentar encontrar maneiras de mostrar o desequilíbrio social da nossa realidade de banda desenhada.
O sonho da liberdade pessoal, contra a soberania do Estado, começou com o movimento da expressão livre suportado pelos cypherpunks, e não é apenas um grande mito, mas uma utopia social proibida na nossa sociedade atual, mas que se pode tornar realizável, se a quiser começar dentro de si.
Vamos criar um libertador catártico pela Política do Ser, e iniciar revoluções que são as mães de toda a evolução.

"Cárcere do Ser, não há libertação de ti ?"
"Cárcere de Pensar, não há libertação de ti ?"
- Fernando Pessoa em Poesias de Álvaro Campos

A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo.
Artigos publicados:

I - Anarquismo
II - Existencialismo Próximos posts da Série:
II - Existencialismo(Cont.)
  • O que é o Existencialismo?(Cont)
    • Parte 3 - A Filosofia do Existencialismo : IV - O Significado do Sem Sentido
    • Parte 3 - A Filosofia do Existencialismo : V - Os Jogadores e os Tempos
  • Os "Existencialistas"
    • Parte 1 - Gabriel Marcel - o Neo-socrático
    • Parte 2 - Jean-Paul Sartre - o Homem do Século XX
    • Parte 3 - Simone de Beauvoir - o Castor
    • Parte 4 - Albert Camus - o Absurdista
    • Parte 5 - Merleau-Ponty - O Humanista do Existencialismo
  • Humanismo e Existencialismo
    • Parte 1 - O Medo da Liberdade de Erich Fromm
  • Existencialismo e Anarquismo
  • O Futuro: Pós-Humanismo, Transumanismo e Inumanismo
III - Descentralismo
  • O que é o Descentralismo?
  • A Filosofia do Descentralismo
  • Blockchain e Descentralização
  • Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo
IV - A Dialética da Auto-Libertação
  • O Congresso da Dialética da Libertação
  • Psicadelismo e movimentos Libertários e Artísticos
  • O Budismo Zen de Alan Watts
  • Psicanálise e existencialismo
  • O movimento antipsiquiátrico
  • Anarquismo, Existencialismo, Descentralismo e Auto-Libertação
V - Conclusões e Epílogo
Referências:
- charlie777pt on Steemit:
A Realidade Social : Violência, Poder e Mudança
Colectivismo vs. Individualismo
Índice do Capítulo 1 - Anarquismo - desta série - Parte 1 desta Série

Livros:
Oizerman, Teodor.O Existencialismo e a Sociedade. Em: Oizerman, Teodor; Sève, Lucien; Gedoe, Andreas, Problemas Filosóficos.2a edição, Lisboa, Prelo, 1974.
Sarah Bakewell, At the Existentialist Café: Freedom, Being, and Apricot Cocktails with with Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty, and Others
Levy, Bernard-Henry , O Século de Sartre,Quetzal Editores (2000)
Jacob Golomb, In Search of Authenticity - Existentialism From Kierkegaard to Camus (1995)
Herbert Marcuse, One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Society
Louis Sass, Madness and Modernism, Insanity in the light of modern art, literature, and thought (revised edition)
Hubert L. Dreyfus and Mark A. Wrathall, A Companion to Phenomenology and Existentialism (2006)
Charles Eisenstein, Ascent of Humanity
Walter Kaufmann, Existentialism from Dostoevsky to Sartre (1956)
Herbert Read, Existentialism, Marxism and Anarchism (1949 )
Martin Heidegger, Letter on "Humanism" (1947)
Friedrich Nietzsche, The Will to Power (1968)
Jean-Paul Sartre, Existentialism And Human Emotions
Jean-Paul Sartre, O Existencialismo é um Humanismo
Maurice Merleau-Ponty, Sense and Non-Sense
Michel Foucault, Power Knowledge Selected Interviews and Other Writings 1972-1977
Erich Fromm, Escape From Freedom. New York: Henry Holt, (1941)
Erich Fromm, , Man for Himself. 1986
Gabriel Marcel, Being and Having: an existentialist diary
Maurice Merleau-Ponty, The Visible and The Invisible
Paul Ricoeur, Hermeneutics and the Human Sciences. Essays on Language, Action and Interpretation
Brigite Cardoso e cunha, Psicanálise e estruturalismo (1979)
G. Deleuze and F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia


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